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Em agosto, quando saiu do Ministério da Economia, Salim Mattar publicou um artigo no Brazil Journal falando sobre aqueles que, na sua visão, representariam um establishment estatizante e estariam criando impeditivos para as tão sonhadas privatizações: “empregados públicos, sindicatos, fornecedores, comunidades, políticos locais, partidos de esquerda e lideranças políticas”. Comentei que faltava ao empresário responsabilizar o presidente da República. Jair Bolsonaro, afinal, nunca foi comprometido com uma agenda de abertura econômica. A não ser na campanha eleitoral, quando, por necessidade, buscou em Paulo Guedes um nome que lhe desse sustentação junto ao mercado financeiro. No exercício do poder, o que se revelou foi a instrumentalização do liberalismo, que hoje serve apenas para edulcorar o falatório cada vez mais desgastado e desgarrado da realidade do ex-Posto Ipiranga.

Bolsonaro é um estelionatário eleitoral. Mas não se pode dizer que ele não atue em perfeita coerência com sua biografia política. Durante seus muitos anos como parlamentar, votou junto com o PT e a esquerdas contra privatizações e reformas. Ainda em 2017, portanto mais recentemente, ele  se posicionou contra a Reforma Previdenciária proposta por Michel Temer. Já seu filho, o enrolado Flávio Bolsonaro votou contra a privatização da Cedae no Rio de Janeiro, inclusive junto ao PSOL.

Nessa semana, esse mesmo Bolsonaro apareceu em evento na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp) para reafirmar seu compromisso com o corporativismo mais rastaquera. Em plena pandemia, reuniu uma multidão de pessoas para dizer que “nenhum rato vai querer sucatear isso aqui pra privatizar pros seus amigos”. O presidente Bolsonoro é, acima de tudo, o deputado Bolsonaro.

Em seu tom furibundo, o mandatário buscava atingir o governador João Doria, mas acabou acertando nos planos do Ministério da Economia. No decreto 10.045 de 4 de outubro de 2019, o presidente incluiu a Ceagesp no Programa Nacional de Desestatização. Ou Bolsonaro não lembra do que assinou ou nunca levou a sério o que tinha assinado. Na certa, Paulo Guedes deve ter contabilizado a venda dessa companhia naquele conjunto de estatais cujo valor agregado passava o trilhão de reais. Ou teria colocado ela entre as 4 grandes privatizações que o governo faria em 90 dias ainda esse ano? Seja como for, é apenas mais uma desmoralização para sua conta.

A agenda de desestatização (chamada de pipeline por Salim Mattar) está estagnada nas palestras do Ministro da Economia.  Em dois anos de mandato nenhuma privatização foi feita, nem qualquer liquidação de empresa pública sob o controle da União. Segundo o G1, em 2020 , dos 67 projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), 47 foram deixados para 2001, 2 para 2022 e 5 tiveram o andamento suspenso.

A dificuldade de privatizar contrasta com a facilidade de criar novas estatais ou aumentar as despesas com as já existentes. Ainda em 2019, atentando à demanda do influente setor militar do governo, Bolsonaro criou a Nav Brasil Serviços de Navegação Aérea, responsável pelo controle do espaço aéreo nacional. Mas não apenas isso. Também ampliou em R$ 7,6 bilhões os recursos para a Empresa Gerencial de Projetos Navais (Engepron), também ligada às Forças Armadas.

Segundo dados do Tesouro Nacional, em 2019 o valor total dispendido pelo governo com a capitalização de empresas públicas cresceu 110% em relação ao ano de 2018. Detalhe importante: a elevação de receitas para empresas controladas pela União não é contabilizada na regra da Lei do Teto de Gastos.

Já escrevi que retórica e o histórico de Bolsonaro não tinham relação com ajuste fiscal, reformas, equilíbrio orçamentário e venda de ativos públicos. Ele abraçou esse conjunto de ideias por necessidade eleitoral. A pandemia serviu para ele se reencontrar com o seu verdadeiro eu. O que vemos é gasto público, criação de amplos programas sociais, tentativa de furar o teto, pautar uma “meta flexível”, inauguração de obras e distribuição de cargos para fisiológicos do Congresso Nacional.

É dezembro de 2020. Você ainda acredita que o presidente seja defensor de uma agenda liberalizante? Que ele, que se criou na política representando interesses classistas de um setor do funcionalismo poderoso dentro do Estado tenha interesse real de diminuí-lo? Enquanto você continua sonhando com o livre mercado, Bolsonaro lhe chama de rato.

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